Livro mostra como a marca mais valiosa do mundo entrou numa espiral de erros
Num momento em que a Coca-Cola luta para recuperar o brilho do passado, a leitura do livro The Real Thing: Truth and Power at the Coca-Cola Company (editora Random House, 25,95 dólares, 398 páginas), da jornalista Constance Hays, ajuda a entender como os negócios da marca mais valiosa do mundo desandaram. A companhia é apenas uma sombra do que foi até a súbita morte do lendário presidente mundial Roberto Goizueta, de câncer no pulmão, em 1997. Ao longo dos 16 anos em que Goizueta esteve no comando, o valor de mercado da empresa saltou de 4 bilhões para 145 bilhões de dólares. A cotação das ações da Coca-Cola caiu um terço desde então. Nesses sete anos, a empresa já teve três presidentes e parece que ainda não se acertou. A autora não demora a cravar o seu principal argumento -- o sucesso da Coca-Cola vergou sob o peso da arrogância na condução dos negócios.
Constance narra em rápidas pinceladas o início da história da marca, criada logo após a Guerra Civil americana. Em 1888, o empresário Asa Candler comprou a fórmula da bebida do farmacêutico John Pemberton, que a desenvolvera dois anos antes. Também descreve de maneira breve como o cubano Goizueta, cujo nome os subordinados demoraram a pronunciar corretamente, levou a companhia a um perío do de pujança sem precedentes em sua história. No auge da euforia, ele chegou a instalar um placar num dos corredores de alta circulação do escritório da sede, em Atlanta, para acompanhar a evolução da cotação na Bolsa de Valores de Nova York.
Logo Constance situa o polêmico Douglas Ivester como protagonista da derrocada da empresa. Ele viveu os melhores e os piores anos da companhia. Primeiro, como virtuoso diretor financeiro e braço direito de Goizueta. Mais tarde, na delicada posição de sucessor dele. Uma seqüência de crises aos poucos dilapidou sua liderança. Ivester amargou os primeiros anos de queda na rentabilidade e levou o estigma de mau gestor de crises num episódio de recall do produto na Bélgica, quando cerca de 200 pessoas se sentiram mal ao beber Coca e Fanta. Na época, perguntou a assessores: "Onde raios fica a Bélgica?" Dois meses antes de sua saída, em outubro de 1999, uma declaração de Ivester à revista Veja repercutiu muito mal em todo o mundo. Na entrevista concedida ao jornalista Eurípedes Alcântara, atual diretor de redação de Veja, ele admitiu que testava uma máquina de vender capaz de cobrar mais caro pela bebida em dias mais quentes, quando houvesse maior procura. O assunto virou motivo de piada em todo o país -- em charges de jornais e programas como o do entrevistador Jay Leno, um dos maiores sucessos da tevê americana.
Ivester também demorou a reconhecer que os consumidores tendiam a procurar, cada vez mais, bebidas com menos açúcar e carboidratos. Depois da malograda tentativa de mudar o sabor da Coca-Cola, com o lançamento, em maio de 1985, da New Coke -- rapidamente substituído pelo sabor original sob a marca Coca-Cola Classic --, era difícil acreditar em novas mudanças na linha de produtos. Em algumas entrevistas, o CEO chegou a declarar que o refrigerante fazia bem à saúde. Outra falha de Ivester foi não ter escolhido um homem de confiança para dividir responsabilidades, papel que ele próprio desempenhara ao lado de Goizueta. Em pouco tempo, os conselheiros e acionistas Warren Buffett e Herbert Allen forçaram a sua saída.
A autora do livro, que trabalha como repórter do New York Times, detalha os bastidores de como o sucessor de Ivester, o australiano Douglas Daft, também patinou na tentativa de reverter os resultados. Logo que assumiu, Daft demitiu 5 200 funcionários, o que custou 800 milhões de dólares à empresa e lhe valeu a alcunha de The Knife -- "a faca". Aéreo, o executivo chegou a aparecer num encontro com analistas calçando um pé de sapato preto e o outro marrom. Certa vez, Daft contratou um especialista em feng shui para melhorar as vibrações da sede da companhia. Não funcionou. Nenhuma das extravagâncias de Daft foi suficiente para evitar uma de suas maiores desventuras à frente da Coca-Cola. Daft teve uma surpresa ao não receber o apoio do conselho na hora de fechar a compra da Quaker, em novembro de 2000. O preço estava acertado em 14 bilhões de dólares. Daft já havia até tirado fotos com Bob Morrison, o então presidente da Quaker. Na última hora, os conselheiros votaram unanimemente contra a aquisição. O negócio acabou nas mãos da arqui-rival PepsiCo, que se antecipou à estratégia de diversificação com o lançamento de produtos mais saudáveis.
Daft anunciou a aposentadoria aos 61 anos, em março de 2004, um mês depois da publicação do livro de Constance. Isso faz a obra chegar às livrarias já desatualizada. De qualquer maneira, o fato não lhe tira o mérito de ter jogado uma luz sobre os motivos que levaram o desempenho da companhia a esmorecer. A demora em encontrar o próximo presidente depois da aposentadoria de Daft só prova que a sucessão de Goizueta ainda é uma questão mal resolvida para a Coca-Cola quase dez anos após a sua morte. Os conselheiros da Coca-Cola procuraram pela primeira vez um forasteiro e cogitaram nomes como James Kilts, presidente da Gillette. Todos recusaram. A saída foi convocar um veterano aposentado, o irlandês Neville Isdell. Assim como os antecessores, Isdell batalha para melhorar os resultados. A cotação das ações da empresa, que faturou 21,9 bilhões de dólares em 2004, caiu de cerca de 50 dólares para 41 dólares entre janeiro e dezembro do ano passado. Embora os acionistas não estejam com os bolsos tão cheios quanto gostariam, Isdell se beneficia de uma prática recorrente na companhia -- bônus invariavelmente milionários. Assim como os antecessores em momentos difíceis, ele embolsou neste ano um salário de 11 milhões de dólares e mais 450 000 stock options. No caso da Coca-Cola, a história parece se repetir.